A Intimação Judicial na Proteção dos Direitos dos Requerentes de Autorização de Residência

Mais do que uma questão procedimental, a intimação judicial é, neste momento, um imperativo ético. É pela exigência informada, pelo saber técnico e pelo humanismo ativo que se garantem não apenas residências, mas vidas dignas. O verdadeiro sentido do Direito manifesta-se quando, ao invés de ser um obstáculo, se torna uma ponte entre o indivíduo e a sua possibilidade de pertença, estabilidade e esperança.

Pedro Baptista Bastos - Advogado Português

4/24/20252 min read

Desde meados de 2022, a crise no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), posteriormente substituído pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), impulsionou a necessidade de recorrer aos tribunais administrativos portugueses para salvaguardar direitos, liberdades e garantias. A ação judicial passou a ser um instrumento fundamental para obrigar a AIMA a instruir, agendar e decidir os inúmeros pedidos de autorização de residência pendentes.

Inicialmente, este mecanismo foi predominantemente utilizado pelos requerentes de vistos gold – autorizações de residência para investimento. Porém, rapidamente a sua aplicação se expandiu para outros tipos de processos administrativos, contribuindo para um aumento significativo de litígios e sobrecarregando o sistema de justiça administrativa em Lisboa.

À medida que as ações se multiplicavam, os tribunais começaram a emitir decisões divergentes: algumas reconheciam a intimação como meio adequado, enquanto outras rejeitavam essa via. Essa disparidade levou a um elevado número de recursos para o Tribunal Central Administrativo Sul, que, embora chamado a pronunciar-se sobre o mérito das ações, manteve a instabilidade decisória.

Diante dessa incerteza, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) interveio e, em 6 de junho de 2024, proferiu um acórdão uniformizador de jurisprudência, reconhecendo definitivamente a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias como mecanismo processual legítimo na defesa dos requerentes de autorização de residência.

Impactos e desafios na aplicação do acórdão

Apesar da clarificação jurisprudencial, o elevado número de pendências no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa comprometeu a celeridade dos processos urgentes. Com o aumento exponencial da litigância, surgiram dúvidas sobre a capacidade do contencioso administrativo urgente em Lisboa, bem como os impactos nos restantes processos administrativos.

Na primeira instância, as interpretações do acórdão do STA variaram consideravelmente. Em diversos casos, os tribunais passaram a exigir requisitos adicionais para a aceitação das intimações, restringindo indevidamente o acesso dos requerentes à tutela jurídica.

No entanto, não cabe ao tribunal minimizar as dificuldades administrativas da AIMA, mas sim assegurar que, quando verificados os pressupostos legais, os pedidos sejam deferidos. Se o direito à intimação está fundamentado, a AIMA deve ser compelida a cumprir a sua função, independentemente dos desafios organizacionais que isso possa representar.

Embora em alguns casos os requisitos para a intimação possam estar apenas parcialmente cumpridos, não existe outro meio igualmente eficaz para garantir a proteção dos requerentes. No contexto da urgência, a mera permanência do requerente em território nacional na condição de “cidadão indocumentado” já é suficiente para justificar a tutela jurisdicional, conforme reconhecido pelo acórdão do STA.

O papel dos advogados, instituições e tribunais

Diante desse cenário, os advogados desempenham um papel essencial, devendo atuar com prudência, conhecimento técnico e rigor jurídico na análise de cada caso. A correta interpretação da legislação e o diálogo eficaz com os clientes são fundamentais para garantir o sucesso das ações.

Simultaneamente, as instituições públicas devem operar com eficiência, celeridade e respeito pelo princípio do humanismo, assegurando que os processos administrativos sejam conduzidos de forma justa e ágil, como se exige num Estado de Direito Democrático.

Cabe ao governo resolver problemas estruturais na AIMA, incluindo a falta de recursos humanos, instalações adequadas e tecnologia, essenciais para melhorar a resposta da administração pública.

Por fim, os tribunais devem julgar com justiça e imparcialidade, garantindo que o direito dos requerentes seja respeitado, independentemente da sobrecarga do sistema.